O Banco Central prevê que, com a introdução neste mês do cadastro positivo, o chamado “spread” bancário poderá diminuir cerca de 30% até meados de 2021, segundo estimativa do diretor de Organização do Sistema Financeiro do BC, João Manoel Pinho de Mello.
O “spread” bancário é a diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar dinheiro – próxima à Selic, taxa básica de juros da economia atualmente em 4,5% ao ano – e a taxa que cobram para emprestar dinheiro aos clientes. Influenciam na formação do “spread” inadimplência, lucro dos bancos, custos administrativos e tributos.
O cadastro positivo é uma referência para bancos ou financeiras identificarem os bons pagadores que buscam crédito. Com essas informações, as instituições podem ter conhecimento de quem habitualmente paga em dia e quem não paga e decidir para quem vão emprestar dinheiro e a quais taxas.
Segundo Pinho de Mello, a redução do “spread” deverá se dar em modalidades cujas taxas de juros estão entre as mais altas, como cheque especial, cartão de crédito rotativo e o crédito direto ao consumidor.
“Se você pegar um produto, um crédito sem garantia, e comparar internacionalmente […], você vê potencial de quedas de 30% [nos ‘spreads’ médios]”, afirmou o diretor do BC ao G1. “Imagino que no meio do ano que vem a gente vai ver [esse impacto]”, disse.
Em novembro do ano passado, os bancos captaram recursos em valores próximos à taxa Selic, atualmente em 4,5% ao ano, e, no caso do cartão de crédito rotativo para pessoas físicas, emprestaram a uma taxa média de 318,3% ao ano.
O crédito rotativo do cartão de crédito pode ser acionado por quem não pode pagar o valor total da sua fatura na data do vencimento, mas não quer ficar inadimplente.
No cheque especial, o juro médio das instituições financeiras somou 306,6% em novembro. Nova regulamentação do governo, com vigor a partir de janeiro deste ano, fixa em até 150% ao ano os juros para o cheque especial.
O cheque especial é uma linha emergencial que permite ao correntista gastar um certo limite definido pelo banco, mesmo que ele não tenha dinheiro na conta.
Considerando esses números, o impacto do cadastro positivo pode baixar os juros médios do cartão de crédito rotativo para cerca de 200% ao ano até meados de 2021 e para 100% ao ano no caso do cheque especial (levando-se em conta o teto de 150% ao ano, em vigor desde este mês).
Open banking
O diretor do BC afirmou que o processo de “open banking”, que o BC começará a implementar ainda neste ano, também terá impacto no “spread” e nos juros bancários.
Diferentemente do cadastro positivo, porém, o “open banking” precisa de autorização dos clientes bancários para que suas informações possam ser compartilhadas.
No cadastro positivo, disse Pinho de Mello, as informações sobre adimplência em pagamentos estão disponíveis de imediato nos “bureaus” de crédito, e os clientes têm de pedir para sair (caso queiram). Também estão listadas as dívidas nos últimos meses em bancos e concessionárias públicas (água e luz, por exemplo). Com base nessas informações, é calculada uma nota de crédito para o cliente.
“No ‘open banking’, é outro jogo. A quantidade de informações, o escopo, é muito maior. Portanto, seu potencial para melhoria do mercado de crédito é muito maior. E é por isso que tem de ser calcado em consentimento explícito a todo momento. Ali, um outro banco vai conseguir saber se você tem seguro de vida, de carro e de automóvel. Vai saber o que você tem para dar uma oferta melhor”, explicou o diretor do BC.
O cronograma do “open banking” no Brasil prevê a implantação da primeira e segunda fases – com compartilhamento de produtos e serviços oferecidos pelo bancos, e de dados cadastrais e de transações de clientes (mediante prévio consentimento) – no segundo semestre de 2020 e da terceira e quarta fases até meados de 2021.
“Com base no exemplo do Reino Unido, a adesão começou a pegar rapidamente pouco depois de um ano [de o sistema estar implantado]. Como as primeiras fases já vão entrar [no próximo ano], muitas pessoas vão começar a ver os benefícios palpáveis”, disse Pinho de Mello.
Ele explicou que o sistema vai facilitar a abertura de contas digitais – porque permitirá aos bancos buscar os dados dos clientes em outras instituições – e pode até mesmo permitir a transferência de informações sobre garantias de imóveis – barateando a portabilidade do crédito imobiliário.
Garantias e tecnologia
Outras linhas de atuação do BC para reduzir o “spread” e os juros bancários é estimular o uso de tecnologia no sistema bancário e, também, de novas opções de linhas de crédito com garantias de ativos, que, por proporcionarem proteção maior às instituições financeiras, contam com juros mais baratos.
É o caso da chamada “hipoteca reversa”, e do crédito com garantia de recebíveis, como o FGTS de quem optar pelo chamado saque aniversário, que entra em vigor neste ano.
Pinho de Mello informou que, em agosto deste ano, entrarão em vigor novas regras para que lojistas possam dar recebíveis (fluxos de pagamentos futuros) como garantias nas operações de crédito bancário.
O diretor do BC lembrou ainda que o crescimento do mercado de “fintechs” (pequenas empresas –”startups” – de tecnologia que atuam no setor financeiro e oferecem, por exemplo, contas digitais e crédito pela internet) também são uma aposta da instituição para aumentar a competição e reduzir os juros bancários.
“O impacto [das ‘fintechs’] pode ser enorme. Em quanto tempo [isso vai acontecer], é muito difícil [mensurar] (…) Em dois, três anos, eu não sei como vai estar o sistema financeiro, mas vai estar bem diferente do que é hoje, e bem melhor. Mantidas as condições macro, estabilidade, consolidação fiscal, curva de juros básica, tenho certeza [que haverá impacto nos juros bancários]”, afirmou.
Fonte: G1